domingo, 24 de abril de 2011

Um só produtor.

Ninguém gosta de se mostrar para os outros como um grande perdedor. Eu também não fugia à regra, até que um dia decidi ver o que as pessoas fariam se eu as dissesse quem eu realmente sou e o que eu fiz pra me tornar isso.

Prazer, meu nome é Daniel Spott e eu sou um grande perdedor.

Não, não digo exatamente nessas palavras, mas as pessoas acabam entendendo assim.

Olá, meu nome é Mario e eu vim consertar o seu encanamento.

Capítulo 1 – You can always go downtown.

“Entre, meu querido”, disse a velha que morava em um mofado apartamento no centro.

Eu não soube diferenciar se aquele cheiro horrível vinha da velha, do apartamento, ou dos canos que eu disse que daria jeito. Mas não importava, eu terminaria aquele trabalho rápido e sairia pra comer um churrasco. De algum jeito, aquela situação me deixava com uma vontade horrenda de comer a picanha que mais espirrasse sangue na minha cara.

“Com sua licença, madame”. Tinha de ser educado, um encanador nunca seria.

Ela me levou ao banheiro - aquele imundo banheiro me dá náuseas só de lembrar. “Aqui estão os canos que estouraram. Não ligue para a bagunça, estou com alguns probleminhas para arrumar tudo.”

“Claro, minha senhora.” Probleminhas com a vida, ela quis dizer. Caso contrário eu não perderia meu tempo visitando-a. Uma coisa engraçada sobre essas pessoas estranhas do centro. Toda vez que venho fazer trabalhos por aqui, - o que já devo ter feito umas 4 ou 5 vezes – eles sempre parecem perdidos na vida, grandes perdedores, mas quando me anuncio, tentam arranjar desculpas para explicar a bagunça em que têm vivido. Fico imaginando o que têm contra encanadores, eletricistas, instaladores de TV e coisas do tipo. Será que devo parecer muito mais perdedor do que eles ao ponto de precisar de explicações sobre a sujeira?

“A senhora poderia me dar licença um momento? É que preciso religar a água para encontrar o problema.” Sempre funciona. “Se puder fechar a porta também, por gentileza.” Sempre sutil e educado.

Nunca soube encontrar problemas em canos. Nunca precisei disso também.

Aquele era um banheiro apertadíssimo, e eu quase não conseguia abrir minha bolsa confortavelmente e ajustar o silenciador. Outra coisa engraçada sobre essas pessoas do centro. Elas nunca parecem muito assustadas quando me vêem segurando uma pistola, prestes a colocar uma bala em suas cabeças vazias. Acho que já esperam por esse momento algum dia. Perdedores que são, sabem que vão ter uma morte rápida e imbecil.

Foi assim com a senhora corcunda e fedorenta do 503 de algum prédio nojento do centro. Apenas abri a porta, mirei, e atirei contra ela. Nenhum som de desaprovação, nenhum susto ou sinal de medo. Só seus miolos frescos se juntando à parede suja.

Quando você mata alguém que mora sozinho, em um apartamento esquecido, ninguém se incomoda em procurar quem o fez, ou o porque. Apenas jogam o corpo em algum necrotério já lotado e esperam um parente reconhecer a vítima, caso haja alguém que se interesse.

Eu nunca me interessei. Ou nunca havia me interessado até o dia em que conheci a garota de olhos de caleidoscópio.

Um comentário:

J. disse...

escreva mais capítulos... esse ficou muito bom.