quarta-feira, 29 de junho de 2011

Receita para nada

Junte 5 pessoas bem-vestidas.
Amarre uma lagartixa viva numa bombinha de São João.
Escreva 9 poemas sobre vasos, navios e canibais.
Compre tempeiros diversos no mercadão do centro.
Jogue bolinha de gude com os parceiros e tente ganhar todas.
Unte uma fôrma média e deixe no fogo médio por uns 9 anos.

Recite os poemas para as 5 pessoas, um de cada vez, enquanto elas tentam acertar todas as bolinhas de gude na lagartixa, até a bombinha estourar. Quando acontecer, páre de recitar os poemas, jogue os tempeiros na lagartixa morta (ou quase morta) e coloque na fôrma, junto com as roupas das pessoas (que, no momento, já devem estar bastante irritadas). Deixe a fôrma por mais uns 3 anos no fogo, não é necessário olhar o ponto.
Sirva com cautela.

terça-feira, 28 de junho de 2011

Desapego

Aperta
Solta
Agarra
Solta
Abraça
Solta
Alenta
Solta
Amassa
Solta
Amarra
Solta
Ama
Sente

terça-feira, 21 de junho de 2011

Até o fechar dos olhos

A gente vive cada segundo numa intensidade gigantesca,
parece que, a cada momento, a vida vai dar uma guinada e a gente precisa estar preparado.
Tudo afeta a nossa pequena cabecinha e nos deixa pensando e pensando,
tantas horas pensando em cada segundo que passou.
E a gente nem percebe.
Depois de um tempo tudo é tão natural, que idéias geniais vêm e vão e a gente joga todas fora,
achando que são meras mediocridades da nossa alma estagnada de crescer.

E daí cada segundo passa, e é tão intenso quanto o outro,
mas tudo já ficou tão normal, que a gente não sente intensidade.
Então chora, pede abrigo, procura deixar tantas horas tão intensas como eram os segundos.
Lembra de quando era criança.
Quer dizer, lembra um pouco. A gente já perdeu muita lembrança,
e, me desculpem dizer, mas as perdemos por causa de trivialidades imbecis que botamos na cabeça.
O preço do pão, o carro do João, o filho do patrão, o rosto do ladrão.
E não valeu à pena. Por que só a gente sabe que, à noite, no quarto, a saudade de não pensar é tão grande
que a gente prefere dormir logo, porque de olhos fechados é mais fácil amar e ser amado,
e lá ninguém vai ser procurado por crimes que não cometeu.

sexta-feira, 17 de junho de 2011

EXTRA! EXTRA! PRISÃO DOMICILIAR LEVA À PENA DE MORTE!

Enquanto Otávio se entretia com seus pensamentos, olhando para o vasto nada da janela de seu prédio, sem querer deixou as chaves de seu apartamento caírem do beiral. E nem percebeu.
O som metálico das pequenas peças compridas não chegaram aos seus ouvidos, devido ao simples fato de morar no décimo quinto andar de um prédio do então deserto subúrbio de uma cidade do Mato Grosso do Sul.
Continuou pensando por alguns minutos, a cidade estava tão quieta nessa noite.
Tirou seus cotovelos da janela e foi preparar algo para comer. Sua despensa estava tal qual a cidade, quase vazia. Pegou alguns ingredientes, acendeu o fogo e ficou com seus pensamentos enquanto a água borbulhava e a fina massa de trigo e ovos ficava macia e se transformava em macarrão.
Colocou o molho de tomates em outra panela, acendeu o fogo. Adicionou condimentos e temperos ao seu gosto e provou a mistura enquanto esquentava. Sorriu ao sentir o paladar que, de alguma forma, lembrava sua já velha mãe. Olhou para a mesa procurando o cartão telefônico que havia comprado para ligar do orelhão da portaria do prédio. Sentia saudades de sua mãe. Encontrou com os olhos o cartão onde o havia deixado e sorriu novamente.
Esquentou, junto ao molho, as almôndegas que sobraram da janta anterior. Juntou todos os alimentos na panela maior e se alimentou nela mesma, utilizando apenas um garfo.
Ainda sentado na mesa, pensou mais um pouco nos assuntos que estava pensando, e se viu cochilando com a cara na madeira vermelha cheia de marcas de uso. Havia comprado a mesa em uma loja de coisas usadas.
Levantou-se, tirou suas roupas e vestiu algo mais quente e confortável. Era inverno e fazia frio.
Deitou-se em seu sofá, pois não tinha nem dinheiro nem espaço para pagar uma cama. Pensou que queria comprar uma televisão para poder cochilar enquanto dava risadas dos programas da TV. Depois pensou que talvez preferisse ficar com seus pensamentos.
Acordou no outro dia com a cara amarrotada, mas já estava acostumado. Seu sofá também era comprado do brechó, e já estava descascando um pouco.
Deu descarga no vaso sanitário, lavou seu rosto. Comeu alguns pães murchos que comprara na manhã anterior. Teve até vontade de passar margarina neles, mas o pote que se encontrava na geladeira estava vazio.
Resolveu juntar as roupas que precisava mandar lavar. Encontrou um cigarro meio velho e amassado no meio da bagunça. Jogou as roupas de lado, acendeu o achado nas chamas do fogão e o fumou inteiro, debruçado na janela. Pensou em algo que achava que havia perdido.
Jogou a bituca para longe e a viu caindo no terreno baldio que dava para sua janela. Seus olhos foram ofuscados pelo sol refletido por algum objeto metálico que também se encontrava lá.
Voltou aos seus afazeres. Sempre pensativo.
Após arrumar seu apartamento, Otávio resolveu que era hora de descer o elevador e ligar para sua amada mãe após comprar seus mantimentos no supermercado no outro quarteirão. Era um domingo de junho, fazia frio e o prédio, a cidade e a despensa estavam vazios.
Abaixou a maçaneta da porta da sala, puxou a porta e lembrou-se que esta estava trancada. Procurou as chaves na mesa, pegou o cartão telefônico e colocou no bolso. Ficou feliz por ter que procurar as chaves, pois já ia se esquecendo de levar o cartão. Não encontrou as chaves na mesa.
Ficou com sede, mas não havia água no filtro. Lembrou também que precisava comprar água, pois era impossível tomar a água do encanamento velho e gasto do prédio. Ficou feliz por ter que procurar as chaves, pois já ia se esquecendo de comprar outro galão d'água.
Continuou procurando suas chaves em todo o pequeno apartamento. Não as encontrou em lugar algum.
Lembrou-se do beiral da janela. Lembrou-se de ter debruçado lá após ter chego em casa do seu trabalho de atendente de telemarketing. Abriu a janela. Olhou todo o beiral. Tateou todo o beiral. Pensou em sentir o cheiro do beiral, mas percebeu que isso não ajudaria em nada.
Olhou para baixo. Para o terreno baldio que se estendia até o fim do quarteirão. Ficou um pouco desconfortável com o objeto que refletia a luz do sol direto nos seus olhos. Coçou seus cabelos, um pouco desesperado. Forçou sua vista e criou coragem para olhar para a maldita coisa que refletia o sol.
Soltou um gemido. Depois um leve grunhido. Depois um pequeno "caralho". Depois um alto e sonoro "PUTA QUE PARIU".
Estavam lá suas chaves. Suas únicas chaves. O passaporte para o mundo exterior que ele agora queria tanto estar.
Andou pelo apartamento. Sentou no sofá. Pensou em algumas soluções. Tentou não se desesperar. Deu uns leves socos na parede. Andou mais um pouco. Abriu a geladeira. Fechou. Abriu denovo. Fechou.
Deu uns pulinhos com os olhos fechados.
Pisou forte no chão.
Socou sua porta, forçou a maçaneta, gritou alguém do corredor.
Lembrou que ninguém mais morava naquele andar, exceto um estudante que já havia saído de férias.
Voltou a janela. Gritou por ajuda.
Juntou alguns fios de varal, os amarrou para ficarem juntos, segurou em uma das pontas e os atirou pela janela. Não passaram nem do décimo segundo andar.
Sentou no sofá denovo, acariciou seus cabelos. Deitou.
Pensou no celular que queria comprar, no interfone que ia mandar consertar, no apartamento novo que iria alugar, na cópia da chave que não devia ter deixado com o Gilmar, na raiva que dava vontade de matar, na barriga que começava a roncar.
Olhou na despensa. Um pão velho. Comeu. Olhou na geladeira. Um copo de leite. Bebeu.
Pegou uma faca, tentou desparafusar a maçaneta. A faca não tinha pontas. Se arrependeu de não ter comprado aquelas chaves de fenda que tinha visto outro dia no camelô.
Puxou, puxou e puxou a porta, tentando arrombá-la. O braço não tinha forças. Se arrependeu de não ter entrado naquela academia que tinha visto outro dia no centro.
O tempo foi passando. Otávio se desesperando, sentado no sofá.
Começou a pensar no que estava pensando. Não conhecia ninguém naquela cidade, não gostava do seu trabalho. Não tinha televisão, telefone, cama, comida, dinheiro, dinheiro e dinheiro. Não lia mais livros, não ouvia piadas, não amava há uns anos.
Dormiu com fome, puto e sem soluções.
Sonhou que estava voando da janela do seu prédio. Voou até o Ceará. Deu um abraço em sua mãe, decidiu que ficaria por lá. Sentou na mesa grande da casa da família, comeu muito e tomou água limpa. Conversou com seus primos, contou da sua vida e do apartamento em que estava preso porque havia perdido a chave. ACORDOU.
Ficou no sofá mais um tempo, sem pensar em nada. Lavou o rosto da forma mais demorada que conseguiu e socou a porta mais algumas vezes.
Olhou na janela. Ficou olhando e olhando. O sol nasceu. O bairro desolado não acordava com ele. Não se ouvia carros. Ainda estava frio.
Passou bastante tempo olhando pela janela. Sentiu que sentia fome. Não tinha nada pra comer. Comeu as unhas.
Bebeu a água da torneira, com gosto de sal e ovos de vermes.
Ficou o resto do dia no seu sofá. Não ouviu nenhum som, nada existia mais.
Dormiu denovo e teve o mesmo sonho.
Acordou e fez tudo denovo, exceto a parte das unhas, pelo simples motivo de já ter comido todas elas.
No terceiro dia de seu confinamento, encontrou a solução que seus sonhos haviam lhe falado.
Amarrou sua toalha suja no pescoço, como se fosse uma capa. Vestiu uma cueca por cima das calças amarrotadas. Abriu a janela.
As chaves ofuscaram denovo os seus olhos.
Sorriu ironicamente enquanto seu estômago roncava pela ultima vez.
Subiu no beiral, o peito inflado, o vento acariciando seus cabelos. Deu uma longa risada honrosa.
Fechou os punhos e estendeu um braço enquanto o outro ficava rígido perto da cintura.
Gritou "SIGAM-ME OS BONS" e se jogou no ar da cidade deserta.
Se aproximou das chaves perdidas e, quando menos esperou, já estava em casa abraçando sua mãe e comendo uma deliciosa macarronada.

quinta-feira, 16 de junho de 2011

Orgulho

Mas mesmo assim continuou pensando em se querer.
Ele nunca soube como é.
Ele nunca teve tal tipo de sentimento.
Queria ele sorrir de face inteira, sentir o vento e dizer: sou o grande dono de mim.
Mas não podia; nunca pôde.
Pudera ele se encontrar. Descobrir o que esconde por detrás de seu tão duro crânio.
Pudera ele se imaginar em seu próprio futuro.
Mas a falta do sentimento, a falta do sorriso, ah, isso ocupa todos os seus pensamentos.
VAI BUSCAR O TEU CAMINHO, GAROTO.
É tão novo para pensar como pensa.
É tão tarde para parar de pensar.
Pudera eu sentir o que tanto quis.
Pudera eu sentir, sorrir, e ver o sorriso na face de todos que espero que sintam.

resposta

- Se eu for, você vai comigo?
- Não.

altoaltoalto

FALO ALTO
GRITO
FALO MAIS ALTO
ME CALA?

Partes.

Te escrevo pedindo pra pensar.
Me devolve a carta pensando em não mandar.
Te grito, louco, jurando que vai ouvir.
Me faz sinais mudos avisando que não ouviu.
Te encontro, corro, espero.
Me fala dessa derradeira vontade de partir.
Te digo: vai.
Me diz: vou.
Te limpo as lágrimas.
Me despeço.
Te abraço apertado.
Me emociono.
Te solto.
Me contento.
Não estás mais aqui desde que me disse que ia.

No fim, o mar de rosas tinha mais espinhos do que botões.

- Eu vou.
- Mas porque você vai?
- Me dê um bom motivo pra não ir.
- Eu não vou.
- Eu não quero que vá.
- Então não vai também.
- Não, não tenho motivos pra não ir.
- Fica por mim.
- Não posso.
- Não quer?
- Não disse isso.
- Então não vai.
- Eu vou.
- Mas daí eu vou contigo.
- Eu não deixo você ir.
- Então fica.
- Se eu ficar, você vai?
- Devo ir mais tarde.
- Mas você não ia ficar?
- Eu fico se você for.
- Então eu vou.

sábado, 4 de junho de 2011