terça-feira, 29 de outubro de 2013

"Esse meu Eu-Quântico" ou "As Questões de uma Pobre Criatura Terrestre Diante da Falha Repentina dos Sinais de Internet"

Me larguei nesse sofá como um farrapo de uniforme militar na trincheira, tal qual nos tempos mórbidos em que me largava na cama da outra casa, envolto em fumaça, e desatava a pensar senhoridades em plena juventude.

É estranho confabular comigo mesmo novamente, lembrando os causos de outrora com certa dificuldade, como se minha mente tivesse imposto um limite imaginário entre o eu que confabula e o passado-eu-louco às 7 da manhã.
O de agora deve ter a mente sã.

Indico referências aos meus próprios devaneios no intuito plausível de encontrar racionalidade no tempo perdido do dia de hoje. Parei pra recordar e, no fim, arrependi.

Além desse muro de pedra abismal que divide os hemisférios do meu cérebro, a massa cinzenta ainda é praticamente a mesma. Com um déficit de neorônios com certeza, porém definitivamente bem parecida. 
Talvez eu tenha emburrecido um pouco, ou seja só o efeito do malte fermentado brincando com enzimas no estômago.

O iminente câncer de pulmão, que me curei antes de ter, ainda me traz presságios de quem eu deveria ter sido aos 22 anos. Quem eu deixei de ser aos 20. Quem eu gostaria que fosse aos 17. Quem eu imaginava que seria aos 15.
Penso nas minhas idades mentais como um ciclo de trapaças criadas através de um plano macabro para me destruir ao permanecer sozinho por mais de vinte e quatro horas, largado como um trapo no sofá.
Penso que já pensei tanta coisa quanto deveria e que agora poderia ficar sonolento e sem urgências nessa mente doentia que ando plantando e regando e esperando crescer dentro de mim.
Penso que, se talvez fosse possível, já seria hora de aposentar a minha cabeça e a deixar em um asilo, sozinha, confabulando, enquanto meu corpo relaxa os breves prazeres sensoriais através de puro instinto.
Pleno.

As histórias que andei lendo não são mais as mesmas: são apenas lides e relises e reportagens especiais sobre a mesma coisa, contadas de maneira diferente para não entediar o público leitor e nem dar credibilidade ao meio que é fonte. Meus livros, largados ao chão da sala, juntando poeira tamanha que, caso minha rinite soubesse, com absoluta certeza desistiria de viver em minha companhia e procuraria pessoas mais cultas, sábias e asseadas para atazanar.

Meu nú vergonhoso lembra saudoso de quem era outrora, quando a vida não se resumia em sentar, comer, levantar, sentar e comer novamente. Esse é o ciclo perpétuo que causa o empobrecimento do meu ser: tô ligado que é foda essa vida moderna e essas responsabilidades que a gente cria sem nem saber porque. Mas a questão é: esse não sou eu. Não senhor.
Eu, eu mesmo, devo estar por aí em algum lugar, algum planeta qualquer, rodeado de babuínos, mamutes, dinossauros e esponjas do mar. Me alimentando apenas de luz e comida enlatada, assistindo torneios de golfe na tevê enquanto malho em uma esteira supersônica comprada na Polishop. Esquentando marshmallows na fogueira de um acampamento de férias americano, junto aos meus dezoito filhos supernutridos que adoram jogar Pokémon X & Y nos seus 3DS. Talvez esteja fumando um gigantesco baseado, com erva cultivada por mim durante os anos, na roça que escolhi morar, logo ali na Argentina. Talvez falo agora a homilia, pois me tornei padre aos 53 anos de idade após a morte desastrosa de toda a minha família e amigos em um acidente de avião causado por ninguém menos que Oprah Winfrey. Remotamente posso ser um soldado solitário em uma base militar em Marte, aplicando conceitos de terraformagem sem nenhum êxito e percebendo, assim, minha morte próxima por falta de recursos. Posso até ser um simples operário de uma fábrica na zona industrial de Pequim, China, trabalhando em turnos duplos para saciar a fome de uma família enorme de Chineses, também trabalhadores de fábricas. Posso ser um japonês excêntrico, filho de milionários, que tem como esporte torturar prostitutas, filmar e divulgar em fóruns escusos da deepweb. Posso ser um Mestre Taoísta, lendo e relendo os ensinamentos do Tao Te Ching sem me importar com o período de guerras que está começando no extremo sul do meu próprio continente terrestre. Talvez faço mágicas em um cassino em Las Vegas apenas para deleite do público. Talvez estou deitado em um sofá qualquer no meu apartamento em São João del-Rei, aguardando um aplicativo ser instalado no meu celular. Pode ser que eu nem seja. Pode ser que eu seja tudo isso.

segunda-feira, 28 de outubro de 2013

Contrariedade pretérita

Eu gosto da poesia quando ela vira só um descanso da cabeça
tira a minha linearidade convencional da redação jornalística
e me dá uma habilidade quase parecida à de um pintor abstracionista
que me deixa não preocupar com a consistência do discurso
e transforma as minhas palavras em pinceladas fortes, com cores alternadas, sem sentido prévio.

sábado, 26 de outubro de 2013

Partiu

Meus garranchos enobrecidos pelos gracejos do teclado, cessaram
Minha escrita anda perdida no tempo dos abraços
Aperto e solto
Soluço

Quem era aquele que me escrevia dentro de mim?
Era eu.
Mas já fui.

Contador

Eu estava escrevendo um conto
mas contei pra alguém e perdeu a graça.
Que graça tem um conto escrito que,
se contado, perde a graça?

Rinite

Meu amor, há quanto tempo eu não podia nem contar
o movimento do ponteiro do relógio
o seu carinho.

Há quanto tempo eu não sentia o ardor das decisões,
e é por essas a minha face sofrida:
decidi de amor e vento o momento,
a não-despedida.

Confesso, temi por dentro o enterro dos nossos abraços,
mas não vi cova que, abismal que fosse, coubesse.

Te distraio aqui o meu leve afago,
antes soubesse o que de mim carrega a ti
Que na noite, só, eu profetizo e apago:
quem dera eu ter de volta o tempo que tirei de mim

Daí pudera viver de novo aquele amor que cresce
que aquece mesmo no verão que tem por vir.
E daí eu corro do que me entristece,
ainda há tempo, sei, e me enlouquece
as voltas do relógio que passaram e não vivi.

Vivi de longe esse carinho,
como redemoinho,
devagarinho,
longe daqui.

terça-feira, 26 de março de 2013

Profeta

Malandro profetizou no acaso
que o laço do destino era um só:
aquilo e aquilo outro juntos, juntinhos,
numa histeria e amor de dar dó,
um nó.

Depois de descer o morro da favela,
assoprou quarenta e seis chamas
além de outra vela.
Cabral fatal, maria pinta e nina,
numa luta insana contra seus instintos,
aquiesceu e roubou a margarina.

Malandro era eu um tempo atrás:
correndo pra chegar em casa,
botar o celular pra carregar,
guardar o refrigerante na geladeira
e acompanhar o jornal na tevê.
Até parecia você.

Mas nostradamus que se preze não vê jornal,
escuta nas entrelinhas.